Desenho

domingo, 31 de maio de 2009

Sou desenhada giz como desenho meu filho.
Ele fica meio torto em meu desenho, apago e torno a desenhar, mas falta um braço.
Torno a apagar.
Tentarei desenhá-lo todos os dias até que o desenho fique bom, aí eu o
passarei para o meu ventre, com tela e tudo, deixarei que ele durma até o instante em que cairá em meus braços,
saltando por todos os meus poros.
Então, eu terei que desenhar o berço.
Nesse desenho ficarei anos até que consiga a projeção perfeita do que queria lhe dar.
Quando eu conseguir desenhá-lo inteiramente, meu filho, por certo, já estará crescido e não precisará mais dele.
Na tentativa de programar o berço, eu me esquecerei dos brinquedos, de levá-lo para conhecer as ruas, de lhe dar alimentos nas horas certas,.
Certamente, ele irá ficar fraquinho, carente, doente, quase irá morrer.
Será que ele perceberá que eu ao menos tentei?
Será que me perdoará por eu não ter acompanhado os seus passos ?
Minhas pernas estavam pregadas em um mundo que nem lhe mostrei, nem consegui lhe dar.
Ele irá me perdoar por ter ficado tão só, rondando sem lamentos pela casa vazia?
Quando me perguntar pelo pai e eu lhe disser que ele é apenas um retrato , um sonho que eu criei na solidão?
A solidão dói muito, dói queimável, dói sofrível...
Então, ele voltará para os meus braços,, frágil que nem criança, e me pedirá que eu lhe ensine a arte do desenho.
E ele também inventará um filho e compreenderá a minha fonte de desejos.
Entenderá sozinho o berço que não teve, a rua que não conheceu,
o alimento que não digeriu e a morte que quase o levou de mim.
Pedirá que eu lhe ensine, para que ele possa ensinar, as canções de ninar que não ouviu de minha boca.
Pedirá que eu lhe ensine o abraço, o beijo, e eu o desenharei , mais uma vez, como homem feito
ante os braços pequenos de um menino.

O rio

sábado, 30 de maio de 2009

Rio que corre
que morre
que estende.
que ofende
que arrasta
meu corpo pra lá.
rio que gera
fulgor transparente
na mágoa,
na enchente
que quer me levar.
Rio que rola
que é fruta madura.
que beija,
que cura
que atura o luar.
Rio que fere
as entranhas do dia,
que é irmão
da poesia,
amante do mar.
Rio que passa
que agita,
que geme,
e palpita
até se fartar.
Rio que suga
que enruga
que engana,
que espanta
que chama
querendo encantar.

Pressentimento

Ninguém adivinha o meu corpo
escondido na escuridão.
Rumor de passos na estrada,
nenhuma espada e um dragão.
Um gosto amargo de sangue,
num gesto de suicida.
Meus olhos hirtos de medo,
maior que o medo da vida.
Tenho a sombra traiçoeira
de monstros vivos, famintos.
Debruçada na janela,
o que temo é o que pressinto.
Se ao menos o gosto vivo
de sangue, dentro de mim,
recolhesse a eternidade
desse amor frágil e sem fim.

Sabedoria

Não fale mais que o necessário.
Guarde as palavras doces
para as crianças, para os amargurados,
as palavras serenas,
entregue aos amargurados e infelizes.
As sábias, entregue aos tolos, aos ignorantes.
As francas, use somente em casos especiais.
Elas não são tão essenciais assim.
As palavras mágicas, confortantes,
entegue aos que sofrem,
dores da alma e do corpo,.
Aos descrentes do amor, entregue palavras
de esperança.
Não fale tudo.
Guarde o teu mar de palavras,
renasça delas,
reescreva a tua história,
quantas vezes preciso for.
Esta ficará.
Palavras passarão.

conflito.

Estou perto e longe de mim.
Vejo formas e cores
bordando as linhas do meu destino
em minhas mãos.
Nem triste nem feliz,
vou me descobrindo ainda
e ainda me surpreendo menina,
mulher.
Há nuvens que persigo.
Há prantos que adormeço.
Há medos que atravesso,
mares onde me afogo,
ventos que levam
para qualquer direção.
Estou dentro e fora de mim.
E quando me olho,
vejo outra que não eu.
Meus olhos me enganam,
meus passos me distanciam de mim,
me levam
para onde, eu não sei.
Ampliar-me é preciso
para que eu me encontre.
e me veja, livre,
e seja eu mesma
a que mais amei.

procura

O que buscas tão longe
se o que precisas está justamente
dentro de ti?
Por que choras tão alto
quando o silêncio
embala melhor o grito.
A dor é silenciosa. Ninguém precisa ouvir.
O que esperas da vida?
Constante primavera?
Outono? Verão?
O frio também aquece
quando vem, em forma de prece,
direto do coração.

Indecifrada

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Só me entendo como sou
tão transparente e carnal.
Tão sem lume, unicamente,
tão somente carnaval.
Só me entendo como sou,
construtora indecifrada.
Trabalhando-me sem pressa,
cara solta, alma lavada.
Só me entendo como sou,
eu me reservo ao acaso.
A vida me desenhou
somente esse poço raso.
Só me entendo como sou,
arco-íris, nuvem clara.
Sendo a chuva, sendo o vento
passos lentos, peito estala.
Só me aceito como sou,
cavalo solto e veloz.
Galopando meus anseios,
minha lei é minha voz.

Ao que passou

O que um dia foi ventura
fez-se agora esquecimento
A canção virou lamento.
O que um dia foi poesia
fez-se agora tempestade.
Lembrança virou saudade.
O que um dia foi amor
fez-se agora a velha história.
Ternura virou memória.
O viver virou tormenta
Fez-se em treva a claridade.
Fez-se em derrota a vitória
um passo pra eternidade.

Entrega

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Com olhos de sono me olhas na cama
a cama virada, marcada, sacana.
Encostas meu rosto em teu rosto suado, barbado,
com cheiro de terra, com gosto de cana.
Levantas e olhas a vida lá fora.
Na janela o sol sempre cedo desponta.
E voltas pra cama. Carinha sapeca.
A entrega completa te esquenta, te espanta.
E Me viras do avesso, os olhos brilhando,
me pegas no colo, me viras, me beija.
A boca calada, total indecência,
e mais do que a tudo, meu corpo desejas.
Eu finjo ter medo do fogo que arde,
eu finjo ter medo dos atos fatais.
Misturam- se os corpos, os gritos safados,
Misturam-se os ecos, os gritos, os ais.
Depois tu te moves, cansado, apagado,
sentindo minha mão passear teus cabelos.
E eu sinto em meu peito mil formas de agrados
e brinco com os fios suaves: teus pelos.
Tu, que incendeias a minha alegria,
que me usas, desusas e me buscas de novo.
E me enches de orgulho em poder ser tua,
sentindo em meu ventre meu feto, teu ovo.
Quando me calas eu fico perdida,
aflita buscando os teus pensamentos.
Mas eis tu te ris, e tudo se agita,
e volta o desejo a todo momento.
E sabes que vibro, que grito, que assumo,
que meu corpo arde, que sei dar amor.
E que deixo-te crer que sou tua, completa,
e quew deixo-te crer ser o meu professor.
O espelho recolhe o nosso abandono
nos velando a noite os espelhos do mar.
Cobertas jogadas, fogo queimando,
os braços buscando maneiras de amar.
E dentro de mim tua forma é grande,
e vem de tão longe a vida lá fora.
É mais uma noite sem tempo pra sono,
sem medos, sem tréguas, vergonhas ou horas.

Soneto

terça-feira, 26 de maio de 2009

A verdade tem portas destrancadas,
é o lado obscuro da mentira.
Portal de velhas guerras aguçadas
da dor, que na canção, se faz em lira.
A vida tem dois lados diferentes.
É sorte e é também jogo de azar.
Girando estamos nós, constantemente.
Há o tempo de colher e o de plantar.
A verdade tem portas entrevadas,
as chaves são de prantos desenhados,
ou de risos, mansos, quentes, irreais.
A vida é esse pulsar descompassado
do humano coração , o haver sonhado
com portas que não fecham nunca mais.

João Sonhador.

João guarda tanto sonho.
Em seu sorriso tristonho
só se encontra o desamor.
Em seus sonhos ganha o mundo,
e são sonhos tão profundos
que até chegam a trazer dor.
João olha o mar, com saudade.
Do início ao fim da tarde
pesca a sua solidão.
Nas águas, o seu reflexo,
o seu rosto bonito perplexo
diante tamanha prisão.
Joáo queria tanto encanto...
que viesse o amor, feito manto
e o cobrisse de paixão.
Ele, que não busca ouro
quer apenas um amor, que tolo,
maior que o seu coração.
No peito, o violão dedilhando,
sua voz clara murmurando
infinito mar de canção.
O sol sumindo no nada
lhe apontava uma caminhada
maior do que o próprio chão.
Olhando o céu, distraído,
o seu coração de vidro
se quebra de tanta emoção.
Mas João tem tanta esperança.
O seu seu olhar de criança
não o deixa dizer não.
Um dia, ele irá pela vida
buscar ponto de partida
e enfim, se transformar.
Ele, um dia, vai ser gente
sua cabeça inteligente
não o deixa desanimar.
Um dia, não sabe quando,
seguirá, po fim, cantando
no peito a viola da paz
O amanhã será aberto.
Seguirá, então, liberto
pelo próprio caminho que faz.
Nunca mais vai sentir fome
nem medo, nem noite fria.
Ser amante, único homem
de uma única amante: Maria.

Pulsar

Mágicos caminhos indicam mundos,
ávidas histórias de fazer sonhar.
Ponta de luz :um rebrilhar profundo
invertendo a vida inteira num segundo
paz do sonho a nos iluminar.
De onde vem tamanha calmaria,
essa magia de fazer pulsar?
Louco mundo que se faz de amor e sonho,
o horizonte, olhando assim,vai mais além.
Tanta história de viver,noites e dias,
reacendem em nós internas poesias,
dessas que teimam em nos fazer crescer.
E que fazem nossa dor virar magia.
Sonho é vida, sonho, é fácil: É só querer.
Através de coisas simples faz-se tanto
lua, flor, sol e mar, amor perdão.
Vasto mundo, mundo louco, doce mundo,
essa enchente de mudança e de emoção.
Invista sempre em seu poder,profundo
deixe o sonho fazer e acontecer.
A vida sempre é uma grande inspiraçao.
Tantas águas a rolar, tantas história,
orvalhadas de aventuras e de glórias,
reavivadas através de sua voz.
Erga os olhos, arco-íris, é seu mundo,
entranhe-se na fantasia de um segundo
reabrindo a plenitude da memória:
força interna que se abriga dentro em nós.

Maria Cigana

segunda-feira, 25 de maio de 2009


Maria que sonha

Maria que canta.

E que se levanta

querendo dançar.

Maria que é brisa

que passa serena

Maria pequena

Maria do mar.


Que pula na areia

que brinca inocente.

Um pingo de gente, adulta no olhar.

Maria que espera

que a vida lhe abrace,

e em sua janela

a paz venha estar.


As roupas rasgadas,

os pés pelo chão,

o seu coração

é só fonte de amor.

Maria que sonha

e espera que um dia

encontre a alegria

deJoão Sonhador.


Maria que é triste,

que sofre, que espera,

em sua janela

imortal solidão.

Que brinca com a morte

fazendo piadas.

Dá, a troco de nada,

seu corpo e a paixão.


Que entrega seu corpo

por qualquer poesia.

Criança, de dia,

à noite, mulher.

Entre homens de fama

ela apronta caçadas

e deixa na cama

seu corpo, a quem quer.


Maria que esconde

a sua esperança

no fundo é criança

que espera o amor.

Seu colo marcado

só sente saudade.

Seu corpo arde

por João Sonhador.

Cantiga.

Dentro a noite eu cantaria
a tua melancolia
a tua desilusão.
E em paz caminharia
por sobre toda a alegria
nascente em teu coração.
Eu cantaria, se voltasses
e pela mão mão me guiasses
rumo a um caminho novo.
E se num deserto plantasses
uma casa, um verso e ficasses
como formiga entre um povo.

Amor

Amor tão doido
uqe se esconde
que se rende.
Amor tão terno
que se humilha
que se ofende.
Amor tão franco
que se gasta,
que se entrega.
Amor infame
que se espalha
e se reserva.
Amor estranho
que se mata,
que se canta.
Amor inútil
que se arde
e se levanta.
Amor cortante
que é navalha
que é punhal.
Amor doença
que quanto maior
mais faz mal.

Eu sou eu

A casa era vazia no meio do mato.
Sofrida...vencida...perdida...
Lá não se via medo,
lá não se via acato.
Os móveis, ah, os móveis
imóveis.
A garrafa vazia
no cinzeiro jogado no sofá.
Foi lá
que vivi meus sonhos
risonhos... tristonhos...
meus sonhos de tortura e meus sonhos de paz.
Tem mais:
havia a rede
na grama verde,
água benta pra aplacar a sede.
A cozinha, sozinha, cheirando a azeite.
A casa era calma,
tinha mais alma
que a minha desesperada vida de traumas.
Meus livros surrados, amassados,
meus discos de Chico rodando,
dando de tudo um pouco
ao meu paraíso louco.
Era só eu.
Vivi mil léguas,
não sei se em luz
Nao sei se em trevas.
Nem sei o que fui.
As paredes amarelas
quanto traziam,
quanto pediam,
paradas, velhas.
No jardim, o amor perfeito, sem jeito,
abre-se ao leito da grama verde.
Meu violão, minha canção,
porta aberta pro perdão.
Na parede o quadro enfeitado de luz
onde, um dia perdido,
na tela eu te pus.
Que pena! Somente na tela eu tive você.
O cachorro latindo, pedindo...
E o despertador, único ruído
em minha vencida dor.
No chão, surrado, meu cobertor.
Era eu mesma o vento
que trazia alento.
Eu mesma o sonho
que, em vão, componho.
Eu mesma a taça, eu mesma a cachaça.
Eu mesma o tudo
em meu mundo mudo.
Eu mesma a certeza
de minha fortaleza.

O vento

O vento na palmeira
destilou seu beijo.
Carinho doce, a palmeira sorriu.
Amaram-se muito.
Mas o vento se foi.
A palmeira sozinha.
E sempre que o vento sopra
a palmeira estremece.
É a saudade que chega
Mas ela sabe que o vento está ali.
E a cada sopro ela sente
que o amor não terminou.
È só fechar os olhos e senti-lo outra vez.

Carícia

O orvalho
dança na flor.
Acaricia...
umedece...
E a flor sorri.
O orvalho não machuca.
O orvalho não fere.
Roça...toca...
e a tudo aquece.
O orvalho dança na flor.
dança, passa e esquece.
O

Para meu filho

domingo, 24 de maio de 2009




Do mundo em que vieste,
antes deste,
trouxeste o raio de sol
e brilho da lua distante,
plantando nuvens,
colhendo espaços.
Para mim te entregaste
entre riso e encanto,
e eu te envolvi em sonhos,
E o meu cantar foi tanto,
semeador de vida,
doador de esperança.
E de agosto, vinte e um,
um claro dia,
foi o dia
que nasceu com teu rosto
saído de mim, vestido de luz,
me interrogando nuvens,
me indicando estrelas.
E com as tintas naturais dos teus olhos,
os traços serenos do teu rosto,
teus dedos, tua boca,
eu gravei os teus traços na tela da memória,
no limiar dos meus versos
eternizados sempre.
Meu pequeno poeta,
minha doce inspiração.
E o meu sonho é que sejas
um homem de fibra,
espalhando vida,
fazendo com que todos te amem
como eu te amo hoje,
meu pequenino filho,
meu imenso amor.

À margem do mundo


Mesmo à margem do mundo

eu continuo no meio,

cavando o meu poço fundo

cisterna do que inda creio.


Mesmo no centro do mundo

eu continuo de fora.

Eu, meu pavão vagabundo

meio fauna e meio flora.


Mesmo no centro do mundo

eu continuo de lado

pelos andaimes profundos

o "til" dos desesperados.


Mas, no centro ou mesmo à margem,

eu continuo a voar,

ou na plumagem de um cisne

ou nas asas do luar.

Marilia Abduani

Galope


A solidão da noite
repousa na madrugada.
E eu, por azar ou por sorte,
profundamente acordada.

Nenhuma estrela se rende,
no céu não há mais estrada.
E eu, para o sul, para o norte,
carente, desgovernada.

Nenhum cavalo de aço
galopando noite a dentro.
rodopiando os moinhos,
os muros do esquecimento.

A solidão da noite
desponta na encruzilhada,
e eu, por azar ou por sorte,
serenamente acordada.

Minhas rugas


Minhas rugas são memórias

de inconstantes primaveras.

O tempo foi bom? Tempo é sempre

sempre a vida num - quem dera!


Minhas rugas são vitórias

de duendes e de feras.

Tempo passou? Que me importa?

Quase sempre é primavera.


Minhas rugas são de glórias

de tantos sonhos. Pudera.

Saudade ficou? Que me importa?

só conta que é primavera.

Manhas.

À noite, desperto
à tarde, floresço.
Num dia eu te amo
no outro, te esqueço.
Se chove eu te encontro,
se há sol, sou a chuva.
O teu beijo de mel
cai bem, feito uva,.
Sou fruta madura,
semente, sou flor.
Raiz, caule, fruto
nas manhas do amor

Pulsar.

Caiu em mim
uma gota de orvalho.
Brotei poesia.
Espalhei-me no vento,
palavras bordando o canto dos pássaros,
o perfume das flores,
o curso dos rios,
o mover da brisa,
o pulsar da terra.
De minha garganta
sai o grito de paz
na recriação da história.

Teias

Onde o humano coração habita?
Longe ou perto? Onde a emoção alcança?
Inocente, meu olhar mais terno agita
sonho e luz, amor e fé, paz, esperança.
Minha força vem de tal serenidade
brilha o vento, sopra o sol, meu corpo dança.
E o mistério de meus olhos vão bordando
teias frágeis : meus sonhares de criança.
Guardo o mundo nas pontinhas dos meus dedos.
Energia onde a dor não permanece.
Rasgo o medo, planto a vida e seus segredos.
A minha estrada é meu mistério. Enternece.
Lua há pra clarear meu abandono.
Deixo a estrela, fada e mãe, velar meu sono.
Na canção do meu sorriso há amor e prece.
E eu prossigo nas entranhas do futuro,
arrasto a minha voz além dos muros,
entrgando-me : paixão, tesão, calor.
Além destas fronteiras do infinito
derramo a explosão de todo grito.
A vida é semente, é fruto, é flor.
Refaço a minha paz, sêmen de brisa.
No inverno meu abraço se eterniza
sobre toda a imensidão do meu amor.

Sós

Quando um corpo comporta um outro corpo
e rende-se a outras mãos, outros abraços,
fica a imagem desenhada nos espelhos
sobraçando segredos laço a laço.
As mãos entrelaçadas formam garras
arranhando as carnes úmidas e quentes.
Tão armadas quanto a voz da guerra
na febre que consome inteiramente.
O efeito dessa febre é o arrepio,
a leveza, todo desfalecimento,
o corpo de outro corpo dispersado.
E vem a refração do pensamento.
O olhar perdido, a fome, a dor, o frio.
Solidão de dois corpos separados.

soneto

Teu espelho: retrato em meu sono
no confronto enfraquecido do meu tempo.
Fere o peito a fria flor desse abandono
que comanda a emoção e o pensamento.
Que refaz no coração toda ferida
num silêncio de canções e de lembranças.
Uma essência que ensopou a nossa vida
estendida sob o sol , toda esperança.
Quanto mais próximo o sonho, mais é lenda
que se atrela à realidade, frágil prenda.
É saudade que se achega - é o vento.
Como flores murchas, secas, vagam tristes
não há terno coração que não se renda
ao portal do amor e dor do esquecimento.

Duplicidade.

Tenho dois corações dentro do peito
quando um chora, o outro se atenua.
E se um traz em si vírus mordente,
o outro se redime e se situa.
Um é a minha parte indiferente,
o outro é a emoção, o toque, o grito.
Se um deles se assassina por ternura
o outro descortina o infinito.
Tenho dois corações dentro do peito.
Um lógico, racional, infiferente,
malicioso, exaltado, sempre ateu
O outro coração segue, carente.
Ambos corações imprevisíveis
num corpo que eu nem sei se é mesmo meu.

Ninho

Clara manhã que navega
por indizíveis caminhos.
Teus olhos, faróis nas sombras,
outras vezes passarinho.
Canta, canta, vai seguindo
chuva, terra, amor e sal.
Tanto mistério escondido
em teu beijo matinal.
Já me aninhei tantas vezes,
já tremi :frio e calor.
O aconchego do teu braço,
tantas vezes cobertor.
Tantas vezes se fez força
teus olhos de ventania
que dançavam mansamente
anunciando o meu dia.
Por teus olhos me brotavam
tantas e tantas poesias.
A vida se emaranhava:
Tua teia de alegria.
Teu vulcão que incendiava
foi sêmen, nasceu paixão.
E em qualquer lugar que eu esteja
carrego o teu coração.

Dilema

sábado, 23 de maio de 2009


Como fica um coração que sente

o toque da alegria e impunemente

se fecha, se desata, de arruina?

Como fica um coração que mente,

que se diz forte e é fraco, descontente,

e que tão constantemente se assassina?

Como fica um coração serpente

que se fere e fere aos outros, indecente,

e que treme no brotar de outra emoção?

Que deságua e desencanta, impaciente,

e que foge feito raio, as mãos dementes,

feito ave de rapina , rente ao chão.

Como fica um coração carente?

Pena que ninguém nunca me explique,

e que esse coração etéreo fique.

Clemência: Um resto de esperança.

Como o amante em mãos de sua amada

une o corpo à alma: ardente madrugada,

A flor e não o fruto é a vingança.

Como fica um coração impaciente

que pactua amor e vício e continua

remanescente, mansamente comovido?

Que recolhe cicatrizes e feridas,

que por certo, pelo amor, fe-se partida,

pelos múltiplos repentes ressentido.

Como fica um coração demente

que treme ante as amarras e correntes,

e é preso ao corpo, tão descompassado?

Como fica um coração prudente

movendo- se num frio aparente,

e que treme, ainda assim, desgovernado.

Como fica um coração que é tranparente?

Como fica o coração da gente

na síndrome de arder tão duplicado?

E se o meu coração governa a mente,

o meu corpo guarda o cheiro do pecado.

Como fica um coração que ,de repente,

pulsa, pulsa e paralisa, simplesmente,

e depois volta a bater acelerado.

Paciência.


Tem gente procurando estrelas

espalhadas pelo céu, desordenadas.

Tem gente procurando flores

nos jardins de um sol de julho em orvalhadas.

Tem gente procurando sonhos

na luz que tudo sabe e não diz nada.


Procurando diamantes reluzentes

sinfonia de luz e transparência.

Procurando o labirintos dos amores.

As plumas prateadas da inocência.

Tem gente procurando sonhos

e vão multiplicando a paciência.


Buscando a pureza devastada

do humano coração medra averdade.

E seguem como ovelhas desgarradas

a um passo da materna eternidade.

Tem gente procurando sonhos

além das emboscadas da saudade.


Tem gente procurando vida

no amor onde a morte é quase nada.

E se entregam devagar, rio nos olhos,

conspirando, artavessando encruzilhadas.

Tem gente procurando sonhos

no tempo, irmão do amor, única estrada.


Tem gente procurando abraços

quando perdem a voz no sofrimento

que rói, escalavra, desencanta.

É o frio que provém das mãos do vento.

Tem gente procurando sonhos

no simples pulsar do pensamento.


Procurando a primavera primitiva

onde arde a luz do amor que a tudo ativa,

nos acordes tresnoitados da paixão.

Tem gente procurando amor,

essa força natural que reativa,

dando o leite do sonho ao coração.

Caminhos


Pelas estrelas que correm

pelo céu, iluminadas,

fui em busca de mim mesma

carente, desencontrada.


Pelas frestas das janelas

que se abrem derradeiras,

fui em busca de teu corpo

de lua e estrela.


Pelos girassóis bordados

aouro e ao branco do dia,

fui em busca de meu sonho

na tua poesia.


Pelas passagens secretas

em meu corpo despertando,

fui em busca do teu braço

forte, enredando...


Pelo sol, estrelas, lua

janelas, prazer, girassóis,

eu deixei minha alma nua

debaixo dos teus lençóis.

Um grito dentro danoite:

Nunca mais seremos sós.

Ausência.


Um eco na alma.

O grito na insônia.

O tiro no escuro

no vazio da noite.


A tua ausência percorre todos os cômodos da minha saudade:

na sala, nos quartos.

Teu cheiro perfura o silêncio.

Incandescência.

E o teu brilho acorda o meu sono

na lentidão dos segundos

que compoem a hora mais calma,na reticente lembrança

do teu corpo no meu.

Viagem


O amor transporta ouro.

Charrete dourada no horizonte,

nos leva pelas noites tristes

e tudo se ilumina,

se inclina,

fina luz

contornando abismos.

Há um vácuo

no silêncio.

Um estrepe taciturno

latejante, trágico,

no meu íntimo amor.


Venho de antigas eras,

pudera,

sou erva no improvável poema que crio,

espalho- me, espelho- me

nas paredes do pranto

que não deságua

em nenhum mar.

O amor transporta ouro.

Charrete ornada de sonhos

pela vida a me guiar.

Retinas


As aparências descobrem

as estrelas verdadeiras,

as retinas traiçoeiras,

as veredas da verdade.

As melhores paisagens,

as turvas formas de amor.

Todo tempo tenho o mundo

pra refazer em calor.


As evidências encobrem

o sol,seguro e aparente,

a doce estrela cadente,

o arco-íris em luz.

As maiores calmarias

que docemente viciam.

Todo tempo tenho tudo

pra transformar em poesia

já que meu corpo reluz.


As evidências refazem

os planos mal resolvidos,

os afetos esquecidos

entre a loucura e a razão.

Não sou triste nem feliz,

vivo sempre por um triz.

Meu punho é meu coração.
Letra: Marília Abduani
Música: Lula Barbosa

Feliz




Quando se é feliz


as estrelas contam lendas


de encurtar as noites.


A mágica do sonho


refaz as esperanças


e produz calor.


Quando se é feliz


não importa o tempo que passou.


O suor é sagrado


intocável e indizível.


O arremate da alma


esotérico e livre


nas reticências do amor.

Anunciação


Quero um segundo apenas

para descobrir uma estrela,

a tênue luz que vicia

o orvalho, a incontida lição

de viver cada momento

prenhe de paixão.


Quero um segundo apenas

para desenhar nas pedras

a história dos amantes,

pássaro sem asa

anunciando o dia

num céu de cinzas, flores, cimento,

superfície rasa.


Quero om segundo apenas

para engolir o orgulho,

recompor meus trapos,

recriar o verso

que componho ao sabor do medo,

do engasgo, do espanto,

do frio que doura a pele

combustão.

Num segundo apenas

desato meu coração.

Guilhotina.


Me perdoe pela falta de assunto

me perdoe pela falta de espaço.

Pelo frio caminho do beijo,

me perdoe pela falta de abraço.


Pelos meus incontidos repentes,

essa ausência de vida e tesão.

Me perdoe pelo gelo na mente,

me perdoe pelo gelo na mão.


É que a vida lanhou meus segredos,

me enganou, me lanhou, me cuspiu.

Guilhotina - pescoço cortado

tanto engasgo no orgulho surgiu.


Me perdoe pela falta de anseio,

meu encanto de rosa dormiu.

Me perdoe, meu amor, se eu só creio

que esta vida é um primeiro de abril.

Rosa Morena


Ó Rosa Morena

me explica a razão:

você, tão pequena

pra tanta paixão.


Que perfume doce,

ó Rosa menina,

qual é teu segredo,

me explica, me ensina.


Ó Rosa Morena

vermelha na cor.

Lábios de açucena

num beijo de amor.


Me conta o segredo,

me explica a razão.

Ó Rosa menina

FLORACORAÇÃO.

Qualquer saudade


Não me fale de saudades

nem de sonhos esquecidos,

nem do sim e nem do não.

Só fale de primavera,

de flores, frutos, pondera:

só me fale da paixão.


Não duvide do que invento,

eu moro no esquecimento,

por sofrer virei canção.

Acredite no que digo,

seja o amante, seja o amigo,

seja o tempo, a dimensão.


Não me afogue na lembrança,

não me envolva na aliança

que o teu corpo desenhou.

Olha- me só nesse instante

aperte o meu corpo amante:

É de mim o que sobrou.


Não duvide do que eu amo,

eu odeio, adoro e chamo

numa guerra comovida.

Qualquer vento, qualquer flor,

frágil passo de um amor

que de amar perdeu a vida.

Estrelinha morta


A estrelinha morta não é miragem.

Ela caiu em minha mão

tão friinha,

tão tristinha

e espatifou-se no chão.

Foco de luz já não há.

Chama de amor - nunca mais.

Facho de fogo - quem dera!

Talvez na paisagem triste

olho ao céu, um dedo em riste

me apontasse o rastro dela.

De minha doce estrelinha,

tão sem lume,tão feinha,

tão sem fogo, tão mortinha

que no espaço se esfacela.

Companheiros


O teu amor me acompanha

pelos montes taciturnos,

nos horizontes diurnos,

pelos andaimes do céu.

Por países estrangeiros,

entre infantes,cavaleiros

o teu sorriso me vem.


O teu amor me acompanha

pelos destinos sonhados.

Pelos desejos castrados,

entre a loucura e a razão.

Entre derrotas, vitórias,

entre o presente e a memória,

entre o castigo e o perdão.


O teu amor me acompanha

entre reis e entre amantes,

entre gritos vacilantes

ou nas asas de um condor.

Entre muros de cimento

no que creio, no que invento

em nome do mesmo amor.

Estátua



Eis a intimidade de um gesto,

tão áspero de silêncios.

Jato de luz que deslumbra

a solidão dos homens.

Recompõe os objetivos

dispersando-os no tempo.

Indócil como o vento,

pleno como o sol.


Eis a cavidade um grito.

Frágil como um verso não escrito.

Feito uma fria estátua,

acima da noite,

através do exílio.

Convocando acasos,

despertando ventres.

Puro como o útero,

rico como o sal.


Eis a eternidade de um sonho.

Solidário como a prece,

seja de fora ou durante

o intervalo dos sentidos.Pétalas retidas

que alguém pressente e recolhe

e guarda para encurtar as noites

e acalentar os sonhos que criamos todas as noites,

antes do adormecer.

Acordados completamente,

tragicamente acordados.

Prá tocar meu coração


Pra tocar meu coração eu necessito

No pulsar de uma paixão romper o grito

E me encher de poesia a vida nua

Recriar os meus abismos invencíveis

E bordar linhas de ouro, irrompíveis

Qualquer dor que morder minha alma crua



Pra tocar meu coração eu necessito

Uma brisa azul, bem do infinito,

Na medida do espaço sideral

No compasso infalível, ordenado,

Eu, ganindo feito um cão, triste, acuado,

No sangrar da ponta firme de um punhal



Pra tocar meu coração eu só queria,

Uma lua nova ou velha de alegria

Lua lúcida, noturna, reluzente

Uma seta que me indique algum sentido

Uma voz cálida, morna ao meu ouvido

Coração de aprendiz das horas quentes.



Pra tocar meu coração eu só procuro

O esperma adocicado, morno, escuro

De meus músculos buscando algum calor.

E o avesso que eu persigo, e o avesso,

Pra tocar meu coração pago meu preço

Paralelo ao sofrimento eu busco o amor.



Pra tocar meu coração basta um carinho,

Arquepélago de sonhos no caminho,

Gravidade consciente de desejo,

O anúncio do amor, humana bruma,

Umidade, doçura branca espuma,

Mascarando a minha face com seu beijo.



Pra tocar meu coração eu só preciso

Viver, desviver, soltar meu riso,

Meus choros, meus motivos, meu perdão.

Recompondo o meu ontem no futuro

Que ainda seja falso, oco, escuro

É fatal no itinerário da paixão.



Pra tocar meu coração basta um prenúncio

No limite do susto ou de um anúncio

De que a vida sobre o abismo é plena dança.

Pra tocar meu coração eu só preciso

Dar um salto mortal no paraíso

Pra colher meu coração, plante a esperança.

Feitiço


Minha boca contorcida

pelo cigarro de palha.

Os meus sorrisos dardejam

no reverso da medalha.

Léguas de vento e de espera

onde só moram saudades.

Será que hoje é primavera?

Será que eu cheguei tão tarde?

Uma janela de barro

meio aberta no caminho.

Eu me perdi numa rosa

ou na espessura so espinho?

Teus sonhos em meu quebrantos

inaugurando meu dia.

Será que eu bebi teu pranto?

Será que eu virtei poesia?

Teu sinal em minhas lendas

teu poder é teu feitiço

as passagens, risos, prendas

ao meu ouvido postiço.
LETRA DE MARILIA ABDUANI
MÚSICA DE CLAUDIO CHAVES

Veredas


Tua mão se movimenta,

tua boca me procura.

O teu corpo me apascenta,

teu silêncio me tortura.



Tua luz me orienta

nas veredas da loucura.

Se teu beijo me arrebenta

teu abraço me costura.



Tua mão me joga fora,

mas teu braço é só ternura.

Teu sorriso me apavora

o teu corpo me procura.



Tua mão forte e morena

no meu corpo se mistura.

Eu, tua virgem obscena

eu, tua amante mais pura.


Alinhavo


Eu bordei a nossa história
com as linhas da verdade
Alinhavei com cuidado.
Eu fiz até um bordado:
seu nome em fios dourados
que é a cor da liberdade.
O arremate ficou lasso.
Nossa história se desfez.
Alinhavo... arremate...
Quem quiser borde outra vez.

Fênix


Deixei de ser metade. Sou agora
inteiramente nova, nova era.
Recriada, renovada. Sou completa
ao sol de intermináveis primaveras.

Estrela sou no coração da noite,
âncora nova que retém o dia.
Sedenta de palavras e de versos.
Deixei de ser a dor: sou só poesia.

O casulo rompeu-se. Abri a asa
teci meu sonho em superfície rasa,
não há estrias em meu coração.

Fênix sou, inaugurando a sorte,
colhendo a lua e rompendo a morte
por sobre um campo onde choveu perdão.

Labirintos


A vida, estrada comprida,
Tentei encurtar caminho
e acabei me perdendo
nas tantas encruzilhadas.
Infindáveis labirintos,
perdi-me dentro de mim.
Andei, andei, deu em nada.
Vi-me assim: estagnada
pelos atalhos sem fim.
Estrada! Tão longa estrada.
Dor,amor, pedra e jardim.

Pescador (a meu pai)

sexta-feira, 22 de maio de 2009




Pescador...

que é o rei do mar

vem me contar

suas velhas lendas

suas prendas

vem me lembrar

também dos peixes

mas antes, deixe

eu preparar o coração.

Quantos mares, quantas ondas

você não conhece porto

é seu o mar

seu violão vai na bagagem da ilusão.

Pescador,

e as sereias,

quantas baleias

você sonhou.

Você que vive ansiando um peixe

deixe que a brisa, que o luar te beije.

Você que faz seu mundo sem perdão.

Pescador,

varando as noites,

vencendo açoites,

remando em paz.

Olha pras águas,

é seu o mundo.

Vai, vagabundo,

pescar demais

Testamento

quinta-feira, 21 de maio de 2009


Será que eu escondo um lobo

na pele de um cordeirinho?

Eu te dou esse cordeiro

faça dele o seu vizinho.

Não me importo com o que dizem

só sigo esse meu caminho

Eu te dou esse segredo:

o canto de um passarinho.

O meu medo passa longe

o que mata eu adivinho

Eu te dou essa coragem

prá te livrares do espinho.

É preciso correr muito

beber da água e do vinho.

Eu dou-te o pão, o graveto

pra que construas teu ninho.

Cuidado com a noite longa

cuidado com a dor do espinho.

Dou-te também a semente

mas plante-a devagarinho.

Guarde bem os teus fantasmas

cuide deles com carinho.

Eu te dou o meu abraço

o meu tchau e até loguinho.

Estradas


Passo por estradas

vou me procurando

muito me perdendo

muito me encontrando

Ah, mas que doidice

eu por mim buscar

feito um boi rasteiro

a me ruminar

Tudo isso cabe

num alqueire de aurora

pela noite a dentro

pela vida a fora.

Passo por estradas

num cavalo alado

livre irmã do vento

puro sentimento

Sêmen prateado.

 
Pelo Estreito Corredor do Tempo © Copyright | Template By Mundo Blogger |